top of page

Freud, mesmo reconhecendo seu pouco conhecimento na área da filosofia, reprova a teimosia filosófica de reduzir o psiquismo à consciência, lembrando que nem ele mesmo, apesar de seu narcisismo, pretende elaborar concepções de cunho universal, ao contrário, coloca novas edições e reflexões advertindo-nos que o enigma e a esfinge não desaparecem pelo expediente de voltar a cabeça e sonhar que eles não existem. 

Estamos falando do inconsciente, daquilo que não passa, do recalque, da perplexidade frente ao desconhecido de nós mesmos, que nos traz reflexões implacáveis e angustiantes por saber tão pouco sobre o que é preciso saber. Daquilo que age dentro de nós, mesmo depois de muito tempo penetrado, como se fosse hoje, no presente, por não ter tido quiçá a oportunidade de dizer, falar, ou viver a descarga emocional do evento ocorrido. A princípio podemos dizer que são ideias não ab-reagidas que geram assim uma dissociação da consciência. 

A teoria da ab-reação menciona que toda ideia vem acompanhada de uma carga afetiva e que a ausência desta descarga afetiva é que vai gerar o sintoma. Impedindo assim, que a quantidade de afeto a ele vinculada se descarregue adequadamente, a linguagem, neste caso, vem como substituto do ato adequado que liberta a quantidade de afeto, tornando-o inofensivo e reintegrando-o na consciência normal.

Para Freud as teorias da resistência e da repressão do inconsciente, da significação etiológica da vida sexual e a importância dos acontecimentos infantis são os elementos principais do edifício teórico psicanalítico. Lembra que cada um desses elementos articulam-se entre si e formam o edifício, revelando alicerces, andares, paredes e janelas que se abrem para outros campos do conhecimento, considerando até mesmo a geografia do terreno em que se movem. (Mezan, 2001, p. 4)

Os estudos sobre a histeria foi a obra fundadora da psicanálise.

A noção de doença histérica é muito antiga. No tempo de Hipócrates e final do século XIX  a questão colocada pela histeria estava no auge e a solução dos distúrbios histéricos era procurada em duas direções: 1ª. - referir os sintomas histéricos como sugestão, auto-sugestão e mesmo à simulação na ausência de qualquer lesão orgânica;  2ª. - considerar a histeria digna como qualquer outra doença com sintomas precisos e definidos. No entanto, Freud  e Breuer e, em outra perspectiva, Janet, ultrapassaram essa oposição e Freud ligou-se a toda uma corrente que considera a histeria uma “doença por representação”, cujo efeito seria uma dissociação de grupos de representação que tem como procedimento terapêutico, colocar a força atuante da representação que não fora ab-reagida no primeiro momento, a fim de que seu fato estrangulado encontre uma saída através da fala; submetendo essa representação à correção associativa introduzindo-a na consciência normal ou eliminando-a por sugestão do médico.

Em 1882 Freud interessa-se pela sugestão e pela hipnose para tratar doentes com sintomas ditos histéricos. Nesses estudos Freud descreve detalhadamente o tratamento de cinco doentes, assentando bases clínicas e teóricas derivadas do método catártico. O método catártico permitia ao doente evocar lembranças de acontecimentos traumáticos ocorridos no passado, quando da aparição dos primeiros sintomas histéricos, sendo que esses sintomas desapareciam à medida que os doentes lembravam e reviviam com intensidade a emoção original. Num primeiro momento Freud recorre à hipnose e à sugestão, mas logo abandona essa técnica fazendo uso da associação livre. A hipnose com sugestão não permite à Freud uma investigação direta da origem dos sintomas, pois remove os sintomas sem que o médico e/ou paciente compreendam o que está acontecendo. Quanto ao método catártico, apesar de funcionar melhor e seu suporte teórico, a teoria da ab-reação, parecer ser bem mais fundamentada do que a teoria da sugestão hipnótica e mesmo Freud tendo feito uso do mesmo, Freud também o abandona, pois entende que o método catártico também depende da hipnose. Sendo assim, Freud opta pela livre associação. Entende que dizer livremente o que pensa permite remontar às lembranças patogênicas reprimidas, bem como identificar as resistências que se opõem às lembranças destas a fim de superá-las. Essa nova abordagem de Freud traz um interesse cada vez maior para o papel que desempenham as resistências, a transferência, a simbólica da linguagem, assim como a elaboração psíquica, elementos próprios a toda cura, se podemos assim dizer, psicanalítica. Com relação à ab-reação, ela foi sendo abandonada pouco a pouco; contudo, a descarga emocional permaneceu como um elemento indissociável de toda a psicanálise, conforme Quinodoz, 2007, p. 19.

O mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos que Freud e Breuer mencionam refere-se a incidentes provocados ha muito tempo atrás, na maioria das vezes, acontecimentos ocorridos na infância. Observam estreita relação entre histeria e neurose traumática. Consideram os sintomas histéricos, como resultado de um traumatismo psíquico o que pode ser confirmado quando as pacientes evocavam a lembrança traumática. Os histéricos sofrem de reminiscências, portanto, era indispensável a evocação da lembrança a fim de trazer a emoção original, pois só assim poderia obter efeito terapêutico.  A linguagem nesta dinâmica é a ferramenta determinante para o efeito catártico que a evocação da lembrança ousa trazer. A linguagem equivale aí ao ato, ao afeto que na linguagem pode ser ab-reagido.  As palavras revelam segredos, queixas, opressão, dores e quando a palavra falta e/ou até mesmo outra qualquer expressão, como por exemplo as lágrimas, que revele ou que permita a confissão, acaba por preservar no histérico todo o afeto não ab-reagido.

O histérico, não tem a memória dos incidentes originais, pois quase sempre trata-se de lembranças penosas que o mesmo guarda, repele e/ou, reprime para fora do seu pensamento, ou melhor, o histérico faz uma dissociação do consciente, sendo que o procedimento terapêutico é o de fazer com o que doente suprima os efeitos da representação que antes não foram ab-reagidos a fim de que o afeto inibido possa manifestar-se através da palavra, ressignificando-o por via associativa, fazendo-se consciente do mesmo. Sendo assim, conforme Mezan, 2008, p. 21, a remoção das resistências é que se converte no objetivo terapêutico primordial, pois elas expressam a repressão que tornou patogênica a ideia vinculada ao sintoma.

Com relação à técnica terapêutica, Freud a supera quando vai além dos sintomas, permitindo que o doente escolha o assunto de cada sessão, ao invés de tentar sanar os sintomas apresentados. Freud entende que um mesmo sintoma pode aparecer de diversas formas, em diferentes contextos e momentos, revelando que há uma repetição, que há algo que não passa, que insiste em se fazer compreender. Freud acredita que as causas das perturbações histéricas estão relacionadas à excitação sexual, lembrando, ainda, que os sintomas histéricos são expressões dos desejos sexuais recalcados. Para tanto, os sonhos e sua interpretação são utilizados como importante ferramenta para preencher amnésias e elucidar sintomas, bem como essencial para a compreensão dos processos mentais na histeria.

Com a interpretação dos sonhos Freud pode firmar os fundamentos da Psicanálise e revelar suas aplicações, explicações e comprovações como se pode ver em seus casos clínicos, entre outros trabalhos, no Caso Dora e Homem dos Ratos. Freud diz que o sonho permite fugir ao recalque e que é um dos principais meios empregados como método indireto de representação da mente. No Caso Dora, Freud vai atrás das queixas contra o pai e a tosse, lembrando que um sintoma significa a representação à realização de uma fantasia de conteúdo sexual e que este seria ao menos um dos significados de um sintoma. Em análise Dora avalia que seu pai seja impotente e revela saber que existam diferentes formas de satisfação sexual. Quando Freud a estimula, fica clara a ideia de sexo oral e a tosse desaparece. Desse ponto Freud elabora como tratar assuntos sexuais em uma análise. Menciona que a clínica deve ser ética e não moral. Discute, ainda, a questão das perversões sexuais e questiona a vida sexual normal, evidenciando que os limites e normas são sociais e culturais e que os neuróticos recalcam suas tendências perversas que se tornam inconscientes, dizendo que as psiconeuroses são o negativo das perversões.

Continuando seu trabalho com Dora, Freud faz menção ao Complexo de Édipo e sugere que Dora teria estado apaixonada por seu pai. Dora, por sua vez, nega, mas faz associação com sua prima de sete anos que lhe revelou detestar sua mãe e querer casar-se com seu pai. Em 1925 Freud trata da negação dizendo que o conteúdo do desejo encontra uma expressão consciente, mas o sujeito nega que tal desejo lhe pertence.

No Caso Dora, Freud percebe que “quando, numa mulher ou moça histérica, a libido sexual que é dirigida para os homens é energicamente suprimida, verificar-se-á regularmente que a libido que é dirigida para as mulheres torna-se indiretamente reforçada e mesmo, até certo ponto, consciente”. (Freud, p.58).

Mais tarde Freud se dá conta da bissexualidade das histéricas e lamenta não ter dado devida atenção à transferência e à homossexualidade. Quanto a investigação da homossexualidade no caso Dora, a mesma não pode ser concluída, pois a análise terminou antes e com relação a transferência, Freud  não consegue reconhecer sua transferência sobre Dora, o que mais tarde veio a nomear de contra-transferência. Neste caso, o próprio Freud admite que O Caso Dora, foi um fracasso terapêutico, pois seu ímpeto para curar, não o deixa perceber sua contra-transferência sobre a mesma, o que o fez nomear a contra-transferência como inimigo do processo analítico.

Contudo, Freud fica satisfeito por confirmar suas descobertas em A interpretação dos sonhos e de como os sonhos se entrelaçam no tratamento analítico possibilitando a elucidação dos sintomas, lembrando da necessidade de implicar o paciente com aquilo que ele está dizendo, trazendo a responsabilidade para si mesmo, deixando de culpar o outro de quem fala e por conseguinte entrar em análise.

 

BIBLIOGRAFIA

BASTOS, Edu Álvaro Manso. Aula: Fragmentos da análise de um Caso de histeria. 04.04.2013 e 11.04.2013.

FREUD, S. Fragmentos da análise de um caso de histeria, in Edição Standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, vol.VII, Rio de Janeiro: Imago,1996.

MEZAN, Renato. Freud: A trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 2008.

QUINODOZ, Jean-Michel. Ler Freud: Guia de leitura da obra de S.Freud. Porto Alegre: Artmed, 2007.

O QUE NÃO PASSA ...

                                                 bY  Sandra Regina Barboza Costa - Psicóloga e Psicanalista em Jundiaí

bottom of page