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SENSAÇÃO, PERCEPÇÃO E AFETIVIDADE
                                   by Sandra Barboza Costa - Psicóloga e Psicanalista em Jundiaí

No mundo do recém nascido não existe objeto, nem relação objetal.  Spitz denomina este primeiro estágio de pré-objetal ou não-objetal e menciona que o estágio não-objetal coincide mais ou menos com o estágio de narcisismo primário. Para Hartmann este estágio de narcisismo primário é uma fase indiferenciada, onde não tem diferenciação entre o ego e o id, ou seja, não tem diferenciação entre o consciente e o inconsciente. Neste estágio não tem diferenciação clara entre psique e soma, entre dentro e fora, entre pulsão e objeto, entre “eu” e “não eu”. Nesta fase, a atividade e o funcionamento do recém-nascido ainda não funciona de maneira plena a não ser as áreas ligadas à sobrevivência.  Nesta fase, o bebê, percebe o seio materno como parte de si mesmo, pois como dito acima, ainda não faz diferenciação daquilo que é de fora com aquilo que é de dentro, bem como é protegido do mundo exterior por uma barreira extremamente alta.  Nos primeiros dias de vida e por mais um mês, de forma decrescente, o mundo exterior praticamente não existe para o bebê. Neste período toda percepção do bebê se dá de forma interoceptiva e proprioceptiva percebidas por estímulos de necessidades básicas comunicadas pelos sistemas de sobrevivência. Os estímulos de fora só são percebidos quando o limiar ultrapassa a barreira protetora, fazendo-o reagir violentamente com desprazer.

Spitz discorda de que já no útero o bebê expressa desprazer e também considera inaceitável especulações sobre a percepção sensorial da criança durante o parto, ou sobre a atividade psíquica do recém-nascido, e sobre a atividade mental nas primeiras semanas e meses subseqüentes ao nascimento.
Joanna Wilheim, 1997, p.16, relata que muito antes de nascer: ...” o feto pode perceber luz e som, é capaz de engolir, ter paladar, escolher posição predileta, registrar sensações e mensagens sensoriais; que ele dorme, sonha, acorda, boceja, esfrega os olhos, espreguiça-se, faz caretas, pisca, dá “passos”, reconhece a voz de sua mãe, brinca com o seu cordão umbilical e com a sua placenta, chupa o dedo e o dedão do pé, reage com irritação quando se sente molestado e apresenta rudimentos de aprendizado.
Freud ressalta que não há consciência no nascimento e que o chamado trauma do nascimento não deixa lembrança e que o perigo do nascimento não tem ainda conteúdo psíquico. Spitz menciona que o chamado trauma do nascimento, ao qual as pessoas que não conhecem bem Freud deram muita importância, destaca-se por sua curta duração e inexpressividade. Neste caso, o que pode ser observado, segundo Spitz, é um breve estado de excitação, que parece ter característica de desprazer. 

Várias observações foram feitas em bebês e observou-se que durante as primeiras horas, e mesmo durante os primeiros dias de vida, apenas uma manifestação semelhante à emoção podia ser detectada, a qual tratava-se de um estado de excitação, que parecia ter qualidade negativa. Esta excitação negativa ocorria quando o recém-nascido era exposto a estimulação suficientemente forte para sobrepujar seu alto limiar perceptivo, sendo que a contrapartida da manifestação de desprazer no recém-nascido é a quietude.
“Há muito mais continuidade entre a vida intra-uterina e a primeira infância do que a impressionante caesura do ato do nascimento nos permite saber”. Freud, 1926
Joanna Wilheim, 1997, diz que se as condições ambientais em que o bebê veio ao mundo tiverem sido favoráveis, uma das suas primeiras reações será a de entrar em um estado de consciência conhecido em neonatologia moderna pelo nome de “estado de alerta tranqüilo”. Nele o bebê manter-se-à quieto, procurará moldar o seu corpinho ao da pessoa que o estiver segurando, com suas mãozinhas procurará tocar na sua pele e arregalará os olhinhos com um olhar agudo e brilhante e olhará diretamente para a pessoa que o estiver segurando-o. De maneira penetrante, com um olhar cheio de significados este pequeno ser que acaba de nascer estará procurando estabelecer uma comunicação.
Entendo que a comunicação é dada como um estímulo que, segundo Spitz, deverá ser primeiro transformada em uma experiência significativa para então se tornar um sinal ao qual outros sinais serão acrescentados, gradativamente, para então construir a imagem coerente do mundo da criança. Assim, não podemos falar de percepção no bebê antes que os estímulos recebidos por este tenham se tornado significativos por meio da experiência do bebê, o que não significa que a memória não seja estabelecida enquanto a percepção estiver sendo adquirida.
A percepção é aprendida através de nossas relações objetais e só há percepção quando os estímulos que nos chegam são processados e significados.

“... ouvi, ouvi e não entendais; vede, vede, mas não percebais. Isaías 6:9.
Spitz, p.33, menciona a clara evidência de que a satisfação das necessidades desempenha um papel fundamental no reconhecimento deste primeiro percepto. Relata ainda, p.55 sobre a investigação feita com deficientes visuais, onde estes relatavam que viam, viam mais não significavam. Desta forma observa-se que a percepção parece se iniciar como uma totalidade, e as várias modalidades perceptivas devem ser isoladas uma das outras no decorrer do desenvolvimento e que precisa ser adquirida e aprendida.
A percepção, segundo Spitz, p. 62, propõe a hipótese de que toda a percepção começa na cavidade oral e que serve como ponte primordial da recepção interna para a percepção externa. Isakower, 1938, estudando a psicopatologia do adormecer, conclui com base em suas observações clínicas de adultos, que a combinação da cavidade oral com a mão representa provavelmente o modelo de estrutura pós-natal mais primitiva do ego. Diz que é razoável supor que as sensações persistentes e instáveis, experimentadas ao adormecer, representam traços de memória arcaicos de um primitivo início da percepção.

Para Spitz a cavidade oral com seu equipamento, língua, lábios, face e nasofaringe, é a primeira superfície a ser utilizada na vida para a percepção e exploração táteis, ou seja, cavidade oral é percepção por contato o que a diferencia da percepção a distância, tal qual a percepção visual e auditiva. A mudança da percepção por contato para a percepção a distância tem fundamental significado para o desenvolvimento do bebê, sendo que tal mudança é mediada pela instrumentalidade das relações objetais.
A percepção a distância não substitui e nem anula a função da percepção por contato, apenas o limita. A percepção a distância enriquece o espectro dos setores de percepção, facilita a orientação e o controle, expande as funções autônomas do ego e, ainda contribui de forma importante para a construção do princípio de realidade.
Assim como outros animais o ser humano também inicia sua percepção do ambiente através do rosto, lembrando que as qualidades emocionais de prazer e desprazer, qualidades dinâmicas de atividade e passividade também participam dessa experiência perceptual.
Tanto as qualidades emocionais, quanto as qualidades dinâmicas surgem em resposta a uma necessidade que produz tensão. Esta tensão é reduzida quando há satisfação da necessidade, que por sua vez suprida gera quietude.
Para Spitz o recém-nascido não está capacitado para a percepção a distância e somente para a percepção por contato. Desta forma entende que o seio é sim o primeiro percepto. Conclui que o seio é percepto de contato oral e não percepto visual. Para Freud a percepção é uma ação concebida em termos orais, onde o ego investe periodicamente o sistema perceptivo de pequenas quantidades de catexia que lhe permite fazer uma amostragem do ambiente.
Diante do que vimos até aqui, convém mencionar que as primeiras percepções do bebê surgem como uma função da necessidade e da satisfação dessa necessidade. Diante das sensações de necessidade o bebê experimenta um tempo de espera para ser atendido, ou seja, experimenta a frustração, a qual faz-se importante para o seu desenvolvimento adaptativo.​Assim, vemos que a necessidade provoca o afeto, impõe-se, deturpa a percepção e deforma a realidade em algo que se aproxima da realização do desejo. A percepção é constantemente influenciada pela tendência afetiva predominante do sujeito, sem de fato alcançar, por vezes, a realização do desejo. O afeto influencia a percepção, torna-a importante ou sem importância. São os afetos que determinam a relação entre percepção e cognição. Spitz, p. 85, diz que é por isso que a ciência até hoje tenta excluir o papel dos afetos, tentando reduzir a percepção à leitura de uma escala. Este método reducionista que a ciência aplica produz excelentes resultados nas ciências físicas, mas se tratando principalmente do ser humano, produz impedimento ao avanço do conhecimento deste, uma vez que é através dos afetos que poderemos explicar comportamentos e acontecimentos psicológicos.

RESUMO

















                                                                      
                                                                       

 
BIBLIOGRAFIA

FREUD, Sigmund.  Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
WILHEIN, Joanna. O que é psicologia pré-natal. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
ODENT, Michel. A cientificação do amor. São Paulo: Terceira Margem, 2000.
SZEJER, Myriam. A escuta psicanalítica de bebês em maternidade. ABREP – Associação Brasileira para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal: Casa do Psicólogo, 1999.

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