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QUEM É VOCÊ ?             

                                     by Sandra Barboza Costa - Psicóloga e Psicanalista em Jundiaí



...“ nós somos medo e desejo, somos feitos de silêncio e sons ... tem certas coisas que eu não sei dizer...” 
Lulu Santos, músico, cantor e compositor brasileiro.



Quem é você? É uma pergunta que frequentemente nos fazem e que às vezes fazemos a nós mesmos... Quem sou eu? A primeira noção de quem eu sou vem de uma identidade que me diferencia e que ao mesmo tempo me iguala. Nome e sobrenome. Sobrenome que me iguala e que me inclui. Nome que me diferencia e que diz quem sou eu e o que sou dependente do lugar que ocupo, representante do desejo e daquilo que não sou.


Socialmente quando esta pergunta é feita estamos pesquisando nossa identidade, remetendo-nos a um discurso de nossa própria história, lugar onde somos autores, co-autores e personagens ao mesmo tempo. Somos ocultação e revelação de nossas experiências e de nossas relações interpretadas significativamente de forma positiva ou negativa. A questão é: Como obter as informações do oculto que me revela?


A psicanálise, através de sua visão de mundo, tenta responder que a verdadeira transmissão de quem sou eu se dá através de nossas primeiras experiências de vida, a partir da autoridade de nossos pais. Autoridade esta vinda através de três leis a saber.  A lei do prazer, ou seja, lei do bem-estar; a lei do dever, que remete ao princípio de realidade, desprazer; e a lei do interdito do incesto, que vai dizer quem sou eu dentro de uma sociedade humana instituída de uma delimitação, que varia, segundo as culturas, entre o interdito e o autorizado.


Nossa primeira experiência é a do amor, amor este aprendido através da relação com nossos pais, dentro do nosso primeiro grupo social, a família. É através da significação desta primeira relação de amor que poderei responder QUEM É VOCÊ? QUEM SOU EU?, pois acredito que a autorização de SER ou NÃO SER está implícita nesta relação de amor. Julien (2000, p.35), vai dizer que o amor é dom daquilo que somos. 


Talvez sejamos uma carruagem puxada por cavalos, simbolizando nossas emoções, conduzidos aparentemente por um cocheiro que representa o nosso mental, o nosso consciente, carregando um passageiro que não vemos, o nosso inconsciente, que por sua vez possa ser a resposta daquilo que sou e que nos dá destinação.


A metáfora acima sugere que sempre que o cocheiro dirige a carruagem de modo inadequado ou que toma um caminho em desacordo com a rota conhecida pelo passageiro, este se dirige ao cocheiro e emite mensagens. Estas mensagens têm inicialmente uma forma gentil de avisar o cocheiro do seu mau caminho, através de sonhos, atos-falhos e sintomas, mas podem se tornar mais ríspidas e radicais se o cocheiro persistir na atitude inadequada chegando a gerar danos à carruagem, para evitar que sua rota seja desviada. Tais danos precisam ser encarados como uma mensagem que o passageiro envia ao cocheiro e que precisa ser decifrada e corrigida. No entanto, não basta apenas corrigir o defeito da carruagem e tornar a seguir a rota indesejada pelo passageiro. É necessário ser capaz de escutar a palavra que falta, o inaudível, ou seja, a revelação de QUEM É VOCÊ, para então conhecer o caminho. É estar pronto para receber as mensagens do seu inconsciente e cada vez mais acessar seu propósito existencial, favorecendo um aperfeiçoamento que passa pela saúde do físico, com reflexos no emocional, mental e espiritual.


Neste sentido, acredito que a teoria psicanalítica tem muito a contribuir, pois através de sua técnica o sujeito pode revelar-se a si mesmo e caminhar para o desenvolvimento e crescimento pessoal, adquirindo confiança e autonomia, qualidades necessárias à sua sobrevivência. Para tanto, penso que a psicanálise possa agregar conhecimentos atuais neurocientíficos a respeito da plasticidade cerebral, das redes ou mapas neuronais com suas miríades de sinapses sempre em mudança de maneira ativa em contato com aquilo que vem da realidade interna e externa e que dá uma base orgânica estrutural para a teoria e prática psicanalíticas atuais.
Damásio, 2004, em seu livro Em busca de Espinosa, diz que “o cérebro está para avisar o homem de seu mau caminho” e eu diria que a psicanálise está para vivenciar e decodificar este aviso.


Dentro do processo psicobiológico o sistema límbico-hipotalâmico é o grande responsável em codificar estímulos e informar estes códigos à dimensão humana, através da conexão mente-corpo. A memória, a aprendizagem e o comportamento, codificados no sistema límbico-hipotalâmico do cérebro são os maiores responsáveis em informar e formar a conexão mente-corpo. Stonier, 1990 (apud: ROSSI, 2003, p.42), lembra que “os níveis psicológico, físico e biológico são expressões das informações codificadas pelo sistema límbico-hipotalâmico”.


Entendo que a forma como cada sujeito interpreta ou codifica os estímulos que recebe através de suas relações é que vai determinar aquilo que ele é. Por outro lado, a revelação, a palavra que a psicanálise resgata pode trazer ressignificação e formas saudáveis de ser para a mente e corpo.


A palavra cria e forma o humano. Modifica e transforma-o através de experiências sensoriais advindas do seu relacionamento com o meio em que vive.  Lembro aqui que os comportamentos podem ser inatos ou aprendidos e se caracterizam como reflexos, causados por estimulação sensorial; mnemônicos, originados de liberação casual ou pré-programada de informações memorizadas no Sistema Nervoso Central; automáticos, manifestando de maneira relativamente constantes e programados de acordo com padrões estereotipados; e voluntários, emitidos por deliberação voluntária.


O Sistema Nervoso possui três componentes principais que são o canal sensorial, ativado por uma alteração do meio interno ou externo que gera uma informação sensorial ou aferente; a parte central que analisa, identifica e decide o programa; e a parte respondente (informação eferente) que emite a resposta (efetuador ou motor).


Sendo assim, somos um ser de afeto, onde tudo nos afeta de forma positiva ou negativa. Tudo nos afeta através de receptores espalhados por todos os tecidos com a finalidade de captar as alterações externas (somatoreceptores) ou internas (visceroreceptores). Estes receptores enviam para o Sistema Nervoso Central estas informações através de vias aferentes, que fazem então conexão com neurônios centrais, os quais analisam e codificam um estímulo que será enviado através de vias eferentes, promovendo a desejada resposta motora, visceral, sensorial ou emocional.


Toda a estrutura humana, corpo e mente está em íntima comunicação por meio de neurotransmissores: dopamina, noradrenalina, acetilcolina, ácido aspártico, ácido glutâmico, mediada pelos relógios biológicos do Sistema Límbico-Hipotalâmico que agita o fluxo das moléculas mensageiras hormonais, conforme menciona Rossi (2003, p. 31). 


Quando um sujeito recebe aferências sensitivas, através do Sistema Somato-Sensorial, ele é capaz de ter sensações que podem despertar a consciência de suas experiências. No entanto, vale lembrar que ser capaz de ter sensações, não inclui o real e verdadeiro significado das experiências sensoriais, pois somente a consciência é que trará a revelação do real significado. A sensação pode produzir uma resposta em concordância com aquilo que ele significou, ou seja, de acordo com suas emoções, sem, contudo haver consciência do significado. A emoção reflete, portanto, um estado peculiar de conduta reativo, frente a uma sensação, ou seja, o indivíduo adota uma posição de agrado ou desagrado, de prazer ou desprazer, de aceitação ou rejeição. A sensação pode trazer emoções diretas ou indiretas, pois a mesma pode ser desencadeada tanto por sensações trazidas pela memória, quanto por sensações recalcadas na memória. Isto se dá porque a construção da memória passa pelo crivo do processo cerebral. Se ele entender que algo é bom para a sua sobrevivência ele libera para ser vivido, do contrário ele recalca a própria experiência, sendo esta manifestada através de emoções indiretas.


A parte antiga do cérebro tem o registro da espécie e trabalha por conta própria. Dirige o sistema simpático e o parassimpático, responsabiliza-se pela sobrevivência, como por exemplo, necessidades de luta e fuga, persecutoriedade, prontidão e outros, colocando glicose no organismo para que se possa agir nestes casos. Já a parte nova do cérebro depende do ambiente, da história de vida de cada indivíduo, dos estímulos recebidos e das emoções. Assim, para que haja adaptação a esse meio, o cérebro torna-se plástico. Age de maneira diferente para cada indivíduo e de acordo com a necessidade de cada um, construindo assim, sua própria área de atuação cerebral.


Para cada estímulo, como dito anteriormente, o ser humano dá um significado, que mesmo não tendo, por vezes, a consciência de tal significado o mesmo fica registrado em sua dinâmica cerebral (memória), como um marcador somático, despertando as mesmas emoções cada vez que é acionado. O ponto chave para tal atuação é a amígdala (cerebral), córtex pré-frontal e o hipotálamo, que são os responsáveis pelas emoções. A amígdala recebe as aferências e distribui para os outros sistemas. O significado dado ao estímulo recebido pela amígdala é elaborado por uma esfera não fisiológica e é o grande responsável pela decisão de distribuir para os outros sistemas. Neste sentido, penso que a psicanálise pode ter grande contribuição, pois se não está na área fisiológica, onde se dá esse processo?


Acho que tenho um bom exemplo da dinâmica acima descrita. Certa vez, um paciente (criança) relacionara a cor verde a experiências ruins vivenciadas em família. As refeições eram feitas, sempre com muitas brigas entre o casal (pais da criança). O paciente por sua vez acionou o seu marcador somático, dando à cor verde o mesmo significado ruim que deu com relação às brigas de seus pais, uma vez que sempre tinham verduras verdes dispostas à mesa na hora das refeições. Assim, toda vez que o mesmo era exposto a algo verde, passava muito mal e vomitava.


O significado aciona o marcador somático que entende como um alerta a ser vivido hoje de uma situação passada.  Quando o marcador somático é acionado surge uma percepção de estresse que diminui o nível de anticorpos, possibilitando o aparecimento de várias sintomatologias. Isto se dá porque ele aciona o cérebro antigo que é alertado para agir em defesa do organismo, e essa prontidão para a luta e para a fuga, acaba adoecendo o sujeito. O marcador somático aciona o organismo para produzir proteínas, essas substâncias são transmitidas às células e aí se instalam as doenças.


A memória permite fixar o presente e evocar o passado. Seus mecanismos são os mesmos tanto para o passado, quanto para o futuro. Uma vez estimulado, o marcador somático interpreta como agora algo que ocorreu lá no passado, fazendo com que todo o organismo reviva e experiencie o passado como se fosse hoje.


Freud, 1930 no livro Civilização e suas inquietações diz que “Na vida mental, nada que um dia foi formado pode morrer... e em circunstâncias adequadas pode ser trazido à luz". 


Que a psicanálise possa ser colocada como ferramenta para a produção de estímulos que contribuam à revelação de QUEM É VOCÊ? QUEM SOU EU? Significado e ressignificado por mim e pelo Outro. 

BIBLIOGRAFIA

DANGELO, José G.; FATTINI, Carlo A. Anatomia Humana Básica. Rio de Janeiro: Atheneu, 1988.
DAMÁSIO, António. Em busca de Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
FREUD, Sigmund.  Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
JULIEN, Philippe. Abandonarás teu pai e tua mãe. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2000.
LANE, Silvia T.M. (Org.) Psicologia Social: O homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1994.
MACHADO, Ângelo B. M. Neuroanatomia Funcional. Rio de Janeiro: Atheneu, 1988.
ROSSI, Ernest Lawrence. A psicobiologia da cura mente-corpo. 2ª. ed. São Paulo: Livro Pleno, 2003.

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